4 de outubro de 2012

Era uma vez... A Minha história

Ao longo da minha vida ouvi pessoas de todo o tipo contarem e recontarem milhões de vezes minha história, e a cada vez que isso acontecia, eu notava que alguns detalhes eram acrescentados e outros esquecidos, até que depois da décima ou décima quinta vez, já não era mais a minha história.
Dizem que fugi de casa aos 16 anos para salvar minha vida da “malvada madrasta” que era uma bruxa, mas não foi bem assim. Que adolescente nunca teve seu instante de rebeldia e quis ser livre? Ou mesmo, que nunca tenha fugido de casa para encontrar um namorado as escondidas? Comigo não foi diferente. Embora fosse outra época, adolescentes sempre foram e sempre serão adolescentes. E uma vez que meu pai e minha madrasta, sendo e Rei e Rainha, nunca aceitariam meu “namoro” com o caçador - não que fosse algo muito sério, mas... - nos encontrávamos na floresta próxima ao castelo todas as noites. E foi numa dessas noites que, mesmo conhecendo tão bem aquela parte da floresta, me perdi.
Após vários minutos, ou talvez horas, andando pela floresta avistei uma casa. Uma casa pequena. Pequena e feia. Parecia uma casa de bonecas. Aproximei-me da janela e vi que dentro da casa não havia nada além de móveis. Móveis tão pequenos e feios quanto a casa. Forcei a porta e, para minha surpresa, estava aberta. Entrei. O que tem de mais? Ninguém saberia que estive lá. E não consegui conter a curiosidade diante do tamanho reduzido de tudo que via. O lugar era simples ao extremo. Não ostentava nenhum luxo, nem mesmo conforto. Provavelmente não era habitado, pois seria impossível viver ali.
 Após poucos instantes observando, houve um tumulto no cômodo ao lado, por onde eu havia entrado. Essa não! Era só o que me faltava. Eu seria descoberta bisbilhotando a casa de um estranho. As várias vozes foram se aproximando e logo chegaram onde eu estava. Eram anões! Vários deles. Na verdade eram 1,2,3...7. Sete anões. A aparência deles era tão desagradável quanto à da casa. E estavam imundos.
Tentei me desculpar pela invasão, dizendo que a porta estava aberta e que eu havia pensado que a casa não era habitada. Para minha sorte eles não pareceram ofendidos com o comentário. Deduziram que eu precisava de abrigo e logo me ofereceram ajuda. Tentei explicar-lhes o engano, mas não me deram oportunidade. Foram logo afastando os móveis para me ceder mais espaço. Eu ri. Eles eram mais agradáveis que a aparência deixava transparecer. 
Depois de várias tentativas de lhes dizer que eu estava perdida e só queria voltar para o castelo. Desisti. Na verdade, depois de pensar um pouco, achei bem conveniente ficar alguns dias sem dar notícias. Assim papai sentiria minha falta e me faria todas as vontades quando eu voltasse para casa. Precisava tirar proveito da situação!
Dizem também que minha “madrasta malvada” fez uma poção mágica para adquirir uma aparência diferente e me entregar uma maça envenenada. Quanta imaginação! A verdade é que, dois dias após minha fuga, nada havia mudado. Ninguém fora me procurar na floresta, ou simplesmente não encontraram a casinha onde eu estava. Eu passava o dia todo sozinha, pois os anões trabalhavam na mina de carvão. Um verdadeiro tédio! E caminhando ao redor da casa, encontrei uma macieira. Peguei uma pequena cesta e enchi-a com muitas maçãs maduras. E antes que pudesse notar, havia devorado mais de meia dúzia delas. Foi meu erro. Minhas vistas se escureceram, tudo a minha volta ficou nebuloso, tudo girava...
 Lembro-me de acordar no meio de uma trilha rodeada pelos meus novos amigos. Eles tinham um ar preocupado, e com eles havia um lindo rapaz. Ele segurava uma pequena tigela com algo verde. Acho que eram ervas. E eu sentia um gosto amargo na boca. Estava desnorteada. Como eu cheguei à trilha? E quem é esse rapaz que me olha de um jeito tão curioso, quase cômico?
Eu era alérgica a maçã, pela alta concentração de proteínas. E após comer tantas maçãs eu tive um desmaio e inchaço por todo o corpo. Se os anões não me encontrassem e não me levassem até o curandeiro, provavelmente eu teria morrido. O lindo curandeiro havia me feito comer sua mistura de ervas para controlar os sintomas alérgicos e eu aos poucos fui melhorando. É isso mesmo que você está pensando. O lindo rapaz estava diante de uma moça nem tão linda assim. Na verdade eu estava toda inchada e com o rosto vermelho como as maças que comi. Nada sedutor!
Talvez você tenha escutado uma das versões contadas sobre minha história e deve estar decepcionado ao conhecer a verdade. Mas nada posso fazer em relação a isso. Na verdade, as coisas pioram um pouco. Não apareceu príncipe algum. Casei-me com o curandeiro – que não deixava a desejar. E tal feito só foi permitido graças à eterna gratidão de meu pai pelo rapaz ter salvado minha vida. E, diga-se de passagem, que o curandeiro ficou muito feliz com isso, pois, modéstia a parte, eu não era de se jogar fora!
E, sabe aquela história de “felizes para sempre”? Então, também não é como dizem. Apesar de ainda estar casada com o “lindo” curandeiro – quem nem é mais tão lindo assim - nem todos os momentos são de pura e extasiante felicidade. Tudo depende das circunstâncias, do humor... A felicidade em si é uma utopia, é uma idealização feita por nós. Na verdade o que existe são momentos felizes. Não felicidade. O que é muito bom, pois assim damos mais valor a tais momentos quando as coisas não estão tão felizes quanto gostaríamos.
Essa é a minha história... História essa, que ao ser contada por você terá alguns detalhes acrescidos e outros omitidos. E assim, novamente, não será mais a minha história. Será o seu ponto de vista em relação a uma história que leu. Será uma nova história. Será o seu olhar sobre algo que te contaram... É assim que as coisas funcionam e, ganham valor... Ganham pessoas. Ganham vozes. Conte minha história para alguém, dê sua voz a ela. Deixe que cada ouvinte carregue para casa um pouco de mim... mas também um pouco de você. 
Amanda Chieregatti
(Espiando com Outro Olhar - A Linguagem e as Vozes; Pedro & João Editores, 2011)

Não sei se cheguei a comentar, mas esse texto foi minha primeira (e única até o presente momento) publicação (em um livro com textos do pessoal da minha turma na faculdade). Ebaaaaa! 

***
Espero que gostem!!

Beijos e amassos!!

4 comentários

  1. adorei o texto. demais *-*
    isso parece fofoca de cidade pequena: detalhes sempre são acrescentados, e outros esquecidos :P

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  2. Minha nossa, fiquei embriagada! Excelente texto, meu parabéns *-* É fato que em todas as histórias, sejam elas fictícias ou não, têm detalhes do ouvinte/leitor acrescidos, o que não é nem um pouco agradável, verdade; mas, quem nunca fez isso? Faz parte da crueldade de termos nascidos humanos.
    Eu adoro escrever versões novas para contos de fadas, mas é claro que os meus geralmente assumem um aspecto mais sombrio...

    http://queridos-sapiens.blogspot.com.br

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  3. Eu acho que você nunca contou isso não, ou pelo menos eu não vi né, rsrs. Mas adoorei *-* Passei aqui mais cedo e confesso que fiquei com preguiça de ler :( rsrs. Mas agora que eu li, nossa meu, amei amei!
    A Branca de Neve é a minha favorita! Sempre foi. Adoro essas versões. E reparou que ultimamente tiveram vários filmes com versões dela? Amei pouco né?! rsrsrs. Adorei Branca de Neve e o Caçador, assisti com meu namorado, awn *.* hihi. E quero assistir aquele outro, acho que é "Espelho, espelho meu". E ainda tem outros se não me engano, rs.
    Contos de fadas sempre serão um sucesso né?! Sou apaixonada por eles.
    E sério, seu texto ficou maravilhoso, magnífico. Por um minuto eu achei que era mesmo a própria Branca de Neve contando a história, rsrs. Gostei muito! Tá de parabéns Mandy *-*

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  4. Adorei o texto, de verdade!
    Estou te seguindo.. se puder retribuir =)

    http://shelikesrockn-roll.blogspot.com.br/

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